Evento, promovido pela ABiogás, reuniu 360 participantes que discutiram as oportunidades que o Novo Mercado do Gás traz para o biogás e as barreiras impostas pela revisão das regras da Geração Distribuída

Fonte promissora na transição energética, o biogás ganha um novo impulso com as mudanças previstas na legislação do gás. A abertura do mercado favorece sua produção em regiões do interior do País desprovidas de gasodutos, cumprindo papel complementar ao do gás natural. A fim de acelerar o potencial deste mercado, o diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia (MME), Miguel Ivan Lacerda, planeja lançar um programa para promover a produção de biogás nas regiões centrais do Brasil. 

Pesquisador da Embrapa, Miguel Ivan foi um dos mentores do RenvoaBio, e anunciou no Fórum a ideia, discutida com o presidente da ABiogás, Alessandro Gardemann, de criar um programa específico para o biogás, que seria uma junção do RenovaBio com o Novo Mercado de Gás. “Vamos criar o Gás Brasil, porque, para a região central do país, só tem uma solução, que é o biogás, e sobra biomassa para a produção. No RenovaBio, a pegada de carbono da biomassa é uma das melhores. A grande distribuição do Brasil real, do Brasil do interior, onde não tem a construção de midstream, vai ser o biogás”, afirmou.

As inúmeras possibilidades que se abrem na cadeia produtiva do energético foram abordadas durante o VI Fórum do Biogás, realizado na última quinta-feira, 31 de outubro, e 1º de novembro, em São Paulo.

“O gás está crescendo no mundo, com forte presença nos Estados Unidos, na Ásia, na China, no transporte pesado, na geração de ponta, e o Brasil caminha para criar a sua indústria. Só que, a nosso ver, falta uma perna neste novo programa do governo para impulsionar seu desenvolvimento: o interior do Brasil não tem gás. A malha é reduzida, e, neste contexto, o biogás é a solução. Quanto mais biogás a gente tiver, mais gás natural nós vamos vender”, afirmou Alessandro Gardemann, na abertura do evento.

Segundo Gardemann, o Brasil está cercado por gás natural, com produção da Bolívia, Argentina, do pré-sal, Sergipe e Amazonas,  mas conta com uma malha de apenas 9 mil quilômetros de transporte, do tamanho da Holanda, e 40 mil quilômetros de distribuição, o que corresponde, em proporção, a apenas 1% da malha dos Estados Unidos, o que dificulta que chegue ao interior do País. “Já o biogás pode ser produzido em todas as regiões centrais e, ainda, apresenta vantagens como pegada zero de carbono, armazenável, despachável, gerado na base, distribuído, perto do local de consumo e, principalmente, redutor de custos”, afirmou.

Geração Distribuída

A revisão sobre a regulamentação da geração distribuída, em consulta pública aberta pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), foi amplamente debatida pelos palestrantes, que consideram a medida uma ameaça à expansão do biogás. Para a advogada Maria João Rolim, especialista em energia e sustentabilidade, é importante fazer uma transição de maneira justa.

“Esta questão de taxar o sol é uma forma de chamar atenção para o assunto, mas o que tem de se discutir de fato é como fazer a geração distribuída crescer, como fazer a transição, para um cenário sustentável e ao mesmo tempo ter uma tarifação justa. Este é o desafio. Para a geração distribuída evoluir é importante que a distribuidora também sobreviva”, afirmou.

No último dia 15 de outubro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou a segunda fase da revisão da Resolução 482, que regula a geração distribuída (GD) de energia. A proposta prevê uma redução dos subsídios para os consumidores que geram a própria energia, tanto no seu próprio local de consumo, quanto para os que fazem uso de geração remota. A medida passaria a valer a partir de 2020.

Para Gardemann, as discussões sobre o tema devem continuar, porém, trouxeram uma visão que considerou bastante proveitosa. “Esta questão tem de estar atrelada à modernização do setor elétrico. Se a revisão da Resolução 482 for feita como está sendo proposta, talvez mate diversas iniciativas de geração distribuída que estão nascendo agora, um ecossistema de inovação que está se desenvolvendo regionalmente. Isso pode acabar e talvez não seja possível voltar na hora que o setor elétrico for modernizado e quiser incentivar este tipo de fonte. Fazer uma transição mais light, com a modernização do setor elétrico que reconheça as externalidades vocacionais das fontes, é o mais indicado”, afirmou.  

Futuro do Biogás

O segundo dia do Fórum foi reservado às discussões sobre o futuro do biogás. Diretor do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol, Gonçalo Pereira acredita que o biogás constitui a grande molécula da transição, não apenas para o Brasil, mas para o planeta. “A mudança da economia fóssil para a renovável vai acontecer. E o biogás é importante para distribuir energia, gerar emprego e promover uma melhor distribuição de renda”, concluiu em sua apresentação.

O diretor de Estudos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), José Mauro Coelho, falou sobre o potencial do biogás, apresentando dados do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2029. Segundo José Mauro, o biogás cresceu 40% ao ano no período de 2010 a 2018, mas ainda ocupa um percentual irrisório na matriz energética brasileira de 0,7%. “A boa notícia que podemos inferir é que existe um potencial enorme para crescer”, afirmou.

De acordo com os dados atualizados da EPE, o Brasil contava com 126 plantas de biogás em 2015, que, em 2018, passaram a 276, um aumento de 119%. A produção, que era de 1,4 milhão de metros cúbicos/ dia, chegou a 3 milhões de metros cúbicos/dia, sendo que cerca de 70% do biogás produzido tem origem em aterro sanitário. “Chamo a atenção para o setor sucroenergético, que tem o maior potencial para geração de biogás, no entanto, ainda com uma participação pequena. O potencial do setor é três vezes maior que o da agricultura e oito vezes maior que o do saneamento”, comentou.

Em 2012, o País processou 600 milhões de toneladas de cana. As projeções da EPE para 2030 são de 852 milhões de cana processada, o que representa um potencial de produção de biogás de 46 milhões de metros cúbicos/ dia, considerando apenas o aproveitamento da vinhaça e da torta de filtro como resíduos. “O Brasil importa 22 milhões de metros cúbicos/ dia de gás da Bolívia, ou seja, este potencial cobriria em duas vezes o que importamos”, mostrou.

“O futuro do biogás está aqui. Acompanho desde o início o trabalho da associação na realização deste Fórum, que cresce a cada ano em número de participantes, assim como as plantas de biogás no País. O que enxergamos para os próximos anos é um aumento efetivo da participação do biogás na matriz energética brasileira”, concluiu José Mauro.

O Fórum do Biogás foi promovido pela Associação do Biogás (ABiogás) e, reuniu, durante dois dias em São Paulo, os principais atores de toda a cadeia de produção do biogás com representantes do governo, empresários, pesquisadores e especialistas no tema, que puderam trocar informações, disseminar conhecimento e fazer contatos para futuros negócios. O evento contou com mais de 360 inscritos, um recorde em suas seis edições. A ABiogás, que já conta com mais de 60 empresas associadas, ganhou mais 16 novas associadas em 2019, ampliando sua atuação junto ao setor e ao governo.

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