Lá se vão os tempos remotos em que eu me sentia satisfeito, obscuramente satisfeito, na minha amorfa ignorância, na minha incolor neutralidade...
Possuía tudo que desejava e bem pouco era tudo, porque as minhas potências dormiam o longo sono da sua inexperiência...
E o incônscio equilíbrio entre o meu pequeno desejar, e o meu pequeno possuir era a bitola da minha satisfação, o estático nivelamento entre a potencialidade das minhas realizações.
Mas aí que despertou, nas profundezas do meu ser, algo como um estranho querer, algo como uma longínqua alvorada, que me fazia adivinhar vagamente um luzeiro para além dos horizontes das minhas rotineiras satisfações... e esse adivinhar de uma luz ingrata, para além das trevas são notas do meu costumado viver, encheu-me a alma de grande insatisfação... irrequietas, oscilaram em mim todas as agulhas magnéticas... despertaram as angústias subterrâneas da minha natureza lucigênica que ainda em trevas dormia... acordou em mim o instinto migratório da ave que adivinha tépidas primaveras e cálidos estios, para além dos frígidos outonos e dos gélidos invernos da sua querência nativa...
Abriu-se um vasto abismo entre o que eu era e o que desejo ser, entre o que eu era e o que desejava ser, entra as minhas realidades finitas e as minhas possibilidades infinitas... fiz a estranha descoberta de que eu era muito mais ou muito o que desejava ser do que o pouco que era...
Tornei-me peregrino do infinito e desde então acredito mais no muito que ignoro do que no pouco que sei...
Minha vida começou a gravitar em torno dum centro ignoto, mais dinâmico que todas as coisas que eu possuía e desconhecia.
O meteoro erradio da minha vida passou a ser planeta, mais ainda não gozo do “terceiro céu” da feliz satisfação...
Algo me diz que estou longe dessa meta final, ainda que em caminho certo. E haverá mesmo “Meta Final”?
Poderá o humano finito atingir o Divino Infinito?
Não consistirá a vida eterna nesse eterno Jornadear rumo a Meta Distante?...
Estranho paradoxo!
Quanto mais possuo a Deus, mais o procuro.
Quanto mais deliciosamente o gozo, mais dolorosamente o sofro...
E esse doloroso gozar, e esse gostoso sofrer, é todo o meu infernal, é todo o meu céu inferno celestial...
E a luminosa escuridão da minha paradoxal beatitude...
Humberto Schvabe