Em Pedra Branca do Amapari, no Amapá, professores contam com criatividade, ajuda de famílias de estudantes e plano pedagógico sólido para continuar ensinando durante a pandemia
Dois universos culturais, linguísticos e sociais se encontram na pequena Pedra Branca do Amapari, no oeste do Amapá. Ali, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Tucano II constrói, há mais de dez anos, pontes entre esses dois mundos: o da cidade, com seus pouco mais de 17 mil habitantes, segundo o IBGE, e o da Terra Indígena Wajãpi, povo que vive na região desde o século XVIII.
A conexão é feita por meio da educação. As crianças da terra indígena frequentam a escola, que fica na área rural do município e, ao mesmo tempo em que aprendem um pouco mais sobre realidades diferentes da sua, também contribuem de forma significativa para que os demais estudantes compreendam melhor a importância dos povos originários para a sociedade brasileira. “Crianças não têm os mesmos preconceitos que nós, adultos. Eles brincam juntos, aprendem juntos, compartilham experiências, é lindo de ver”, conta a professora da EMEF Tucano II, Marileia Chagas Sampaio.
Entretanto, toda essa troca se tornou mais desafiadora desde que a pandemia de covid-19 começou. Afastados das carteiras escolares, boa parte dos estudantes brasileiros teve dificuldades para acompanhar os conteúdos. Para evitar que isso acontecesse entre os alunos Wajãpi, os professores precisaram contar com muita criatividade e com a contribuição das famílias, além de uma sólida organização pedagógica das atividades de cada turma. Marileia relata que, ao longo de 2020 e 2021, quando a escola não podia receber os estudantes, os professores visitavam a terra indígena pelo menos uma vez por semana. Era então que eles tiravam dúvidas, explicavam conceitos, davam as orientações para as atividades que estavam sendo entregues e recolhiam as atividades da semana anterior. “Não foi fácil, mas acredito que nós conseguimos desenvolver um bom trabalho com a ajuda dos pais. Para eles, também é muito importante que as crianças frequentem a escola”, ressalta.
Material precisa respeitar diferenças culturais
Segundo o secretário de Educação de Pedra Branca do Amapari, Gabriel da Rocha, atualmente a EMEF tem 16 estudantes de origem Wajãpi. “O respeito à grande diversidade de culturas e realidades que compõem o cenário nacional é muito importante para garantir bons resultados”, afirma. Nesse sentido, contar com um plano pedagógico que preveja essas muitas diferenças é muito importante. No caso do município amapaense, a Secretaria de Educação adota, desde 2018, o Sistema de Ensino Aprende Brasil, que atende a mais de 200 cidades em várias regiões do país.
Abordagens pedagógicas precisam sempre ser feitas levando-se em conta fatores como o multiculturalismo, a multiplicidade de linguagens, de formas de aprendizagem e de interação. De acordo com a diretora da EMEF, Zenira da Silva Moraes, “o material com o qual se trabalha faz toda a diferença para permitir um contato próximo, mas não forçado, entre diferentes culturas”. Ela lembra também a importância do formato em que os conteúdos são apresentados. “O estudante precisa sentir interesse pelo que está aprendendo e os livros precisam ser de fácil manuseio”.
Educar não pode ser um ato isolado, destaca o assessor pedagógico do Sistema de Ensino Aprende Brasil, Rogério Grillo. “É imprescindível conceber a Educação como um processo sociocultural dinâmico e dialético. Nesse sentido, os jovens de terras indígenas são ideados como sujeitos ativos em sua história e nas suas relações com seu meio. Por isso, eles são instigados a vivenciar, produzir e se apropriar de conhecimentos construídos historicamente pela humanidade e a desenvolver diferentes habilidades e competências para resolver problemas cotidianos”.
Para Grillo, valorizar a autonomia de professores e estudantes têm contribuído para que a transição do ensino presencial para o remoto - e vice-versa - seja mais tranquila. “É fundamental oferecer diferentes sugestões pedagógicas para se abordar um mesmo conteúdo, objetivando ao desenvolvimento de habilidades e competências, segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nosso material valoriza o multiculturalismo, a multiplicidade de linguagens e de formas de aprendizagem e interação”, finaliza.
Humberto Schvabe