Era uma criança de aproximadamente 10 anos. Interior de São Paulo, anos 60. Não havia escola próximo de casa e nem ônibus que fizesse o trajeto. Para chegar ao destino eram três quilômetros serpenteando entre pedras, areias, trilho do trem e muito cocô de cavalo, principal meio de transporte da época.
As crianças não tinham a mesma disposição e responsabilidade de um adulto, assim, para fazer essa caminhada diária ficavam divididas entre o medo e o divertimento. Absorviam as mensagens, os conselhos, sem o filtro necessário para separar adequadamente o certo do errado. Apenas sentiam as coisas boas e as ruins…
Começando seus estudos na faixa dos sete anos, a professora do primeiro ano tinha que pegar na mão para ensinar a fazer os traços, bolinhas… as primeiras letras. Hoje a realidade é outra, crianças de apenas três anos já monitoram um smartphone, brincam com iPhode além de frequentarem bem mais cedo as creches e escolinha; o aprendizado se tornou mais fácil.
A vida no campo, nos anos 60 era muito diferente, era um mundo nada globalizado na época e nem conectado, a conecção ali era a natureza, os animais a família; sem shopping e sem acesso as lojas. Quando muito aparecia um “mascate” ou vendedor ambulante para a alegria das mulheres e crianças.
Nem sempre se usava um calçado ou vestimentas adequadas para ir a aula, sem contar com os dias de chuva, quantas vezes com aquele frio imenso e só um chinelinho de dedo, pois era o que tinha.
Agora chega o momento de falar do “companheiro de estrada”, o irmão mais velho que era para cuidar das meninas no trajeto. Na verdade, era um amigo “virado no avesso”, digamos que muito peralta, podia esperar “chumbo grosso” com as suas ideias malucas. Uma vez ele resolveu entrar em um trem na estação ferroviária, claro que a criança seguiu o irmão, por sorte sua irmã mais nova não estava junto. O trem começou a andar e antes que a porta se fechasse ele pulou esquecendo a pequena que ficou ali desesperada. Mais desesperado ainda ficou o irmão quando percebeu que ela havia seguido com o trem. Correu até a janela e pediu para ela descer na primeira estação e voltar, pelo amor de Deus!
Mas pensem, uma criança de dez anos, sem nenhum conhecimento de mundo, amedrontada. Entrou em pânico! Crianças vivem seu mundo de fantasia, não enxergam o perigo como os adultos, viajam na imaginação, este era o caso da menina assustada, sozinha no trem.
É óbvio que outras pessoas viram o desespero do irmão e o pânico da criança. Uma “fada madrinha” resolveu ajudá-la, era uma senhorinha que desembarcou na estação seguinte. Conversou na bilheteria, explicou o que havia acontecido e eles se encarregaram de colocá-la de volta, meia hora depois.
Ele vagava aquela estação desesperadamente, ora aqui, ora ali até a chegada do trem, sempre com o olhar muito atento e preocupado procurava por ela, sorriu aliviado ao ver a irmãzinha, correu para ela com ar protetor de irmão mais velho, segurou sua mãozinha e a conduziu no rumo de casa para percorrem juntos e alegres os três quilômetros mais tranquilos do ano.
Já em casa no seio da família o irmão muito assustado prometeu não mais fazer peraltices tão arriscadas, a menina esquecera totalmente o drama que havia enfrentado e em seu olhar reluzia um brilho de imensa felicidade.
Humberto Schvabe