A jovem da minha rua

Quando eu a conheci, ela talvez tivesse sete anos de idade. Tinha a aparência de uma criança ora feliz ora melancólica, mais sempre que podia, esboçava um riso meio truncado com seus problemas diários. Não era filha única porque eu observava seus irmãos menores brincando com ela, sem se importarem com quem passasse num raio de poucos metros de distância. Se um transeunte viesse a reclamar seu direito de ir e vir sem ser incomodado, a turminha barulhenta aos gritos desaparecia em desabalada carreira, por entre as vielas da pequena vila, para logo em seguida se juntarem para um novo recreio. Com o passar de alguns anos, a criança foi crescendo e ganhando forma de mulher, sempre atenta às prováveis investidas maliciosas dos coleguinhas do ensino fundamental ou não. De repente chegou o período de férias, e a menina de corpo delgado e rosto quase angelical desapareceu do cenário da vizinhança, que de certa forma preocupada com sua ausência, bisbilhotava seus dias de juventude beirando por certo a infantilidade. Até mesmo eu, acostumado com suas aparições costumeiras, indagava sobre seu paradeiro, quando tomei conhecimento do seu envolvimento com um jovem amante do futebol, pertencente a um clube tricolor desta capital. E o tempo passou em sua caminhada normal; a mocinha da vila apareceu um pouco diferente diante de todos! Já não tinha mais aquele olhar sereno de quase santa, nem sorria com relativa facilidade como antes. Agora, andava com sua genitora que a protegia das investidas dos vizinhos e pessoas estranhas. Alguns meses mais tarde seu corpo foi ganhando forma adulta, enquanto a expressão facial ia competindo com os deveres futuros da maternidade. O que era mais importante dizia respeito à solidariedade da matriarca da família, que não tendo sido sábia na condução dos ensinamentos do lar, se desvelava em reparar os danos na filha querida. Encontrei-a no salão do SUS aguardando atendimento para o pré natal, aos 13 anos de idade, quando senti profundamente o tamanho do desastre na vida de uma criança que talvez, um bom futuro lhe sorrisse. O rapaz por quem a jovem se apaixonou desapareceu dos treinos sob os devidos protestos do seu treinador, que desiludido quem sabe, o tivesse despedido do elenco. Meses depois a criança nasceu e pela manta azul que cobria seu corpinho, revelava ser um menino saudável por certo. E toda vez que ela por mim passava embalando seu precioso tesouro, eu fazia uma análise minuciosa do que seria sua via dali por diante. Dificilmente voltaria a estudar porque tinha de assistir àquele pequeno ser frágil e indefeso, que só uma mãe pela graça divina, é capaz de acalentar nas suas horas difíceis. Um ponto interessante nesta crônica é que, entre esta adolescente e eu, nunca houve um diálogo e nem mesmo um cumprimento; gesto de familiaridade ou coisa que o valha. Ela continua conduzindo o carrinho do seu bebê, sempre observando os perigos em volta de si. E como o sonho é um conjunto de idéias ou imagens, quando figurado, revela uma imaginação sem fundamento, uma utopia ou visão, aconteceu que esta noite eu sonhei com ela. Ao despertar concentrei meu pensamento e quis saber os motivos! Não encontrei a resposta desejada para esta visão. Ainda sonolento levantei-me, e quando abri a cortina ei-la empurrando o carrinho, levando sua criancinha para casa, que fica a poucos metros daqui.  A rua estava deserta nesta manhã de quarta-feira de cinzas, e só ela desfilava com seu carrinho de bebê. Eu nunca soube seu nome e nem o que faz. Contudo, sempre que ela por mim passa acompanhada ou não, meu coração num gesto solidário deseja-lhe boa sorte, enquanto meu espírito se regozija em vê-la com um riso mesmo triste, entre seus dias de mais menina que mulher, conforme disse um compositor.

 

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