Dados do estudo encomendado ao Instituto Locomotiva pelo Instituto Feira Preta revelam que, em 2004, somente 48% dos brasileiros se autodeclaravam negros. No último levantamento, feito em 2017, esse percentual aumentou para cerca de 55% da população brasileira. Além disso, outra pesquisa realizada pelo IBGE demonstrou que a população declarada negra no país já ultrapassa os 53%. Contudo, entre os 1% mais ricos do país, os negros figuram somente entre 17,8%.
Para entender esses dados, é preciso ter uma visão mais ampla e crítica, no sentido de interpretar como a comunidade negra influencia a economia e como seu comportamento de compra e consumo pode mudar as relações de transações financeiras. É nesse contexto que surge o Movimento Black Money no Brasil, a partir da necessidade de investigar como as pessoas negras circulam o dinheiro e onde ele vai parar.
Mas afinal, o que é Black Money? Originalmente, o termo era utilizado para se referir ao dinheiro ilegal, porém, nos Estados Unidos, foi ressignificado e pode ser traduzido como dinheiro preto. Estudos indicam que, nos EUA, o dinheiro circula entre os negros somente durante 6 horas em 1 dia, enquanto que em comunidades asiáticas, por exemplo, o dólar circula cerca de 28 dias. Já na judaica, esse intervalo pode chegar a 19 dias. Portanto, o Black Money refere-se ao incentivo do consumo de produtos e serviços produzidos por negros e ao ato de fazer o dinheiro circular entre a comunidade afrodescendente por mais tempo, gerando consciência social, econômica e financeira.
Embora tenha se popularizado nos Estados Unidos, a prática do Black Money nasceu muito antes disso, no século XX, como filosofia pregada por Marcus Garvey, jamaicano considerado um dos maiores ativistas da história do movimento nacionalista negro. Ele considerava essa ação importante para fazer com que as comunidades negras investissem nelas mesmas, gerando riqueza social e intelectual.
No Brasil, a proposta não é diferente. Tudo se baseia em dois pilares principais: se não me vejo, não compro e compro de afroempreendedores para fortalecer seus negócios. Nina Silva, líder do Movimento Black Money, primeira iniciativa a refletir sobre o tema no Brasil, conta que o que a motivou a fortalecer o movimento foi sua própria história e relação com a comunidade preta. Com cerca de 17 anos de carreira como executiva de TI, Nina se tornou recentemente uma das 100 pessoas afrodescendentes mais influentes do mundo com menos de 40 anos, ganhando o prêmio Most Influential People of African Descent (MIPAD) da Organização das Nações Unidas.
As estatísticas sobre o tema não mentem. O Brasil conta com mais de 112 milhões de negros, tornando-o o 11° país do mundo em população, além de ser o 17° em consumo. Segundo a consultoria Etnus, referência no país no estudo de perfil dos consumidores afrodescendentes, a comunidade negra movimenta cerca de 1,7 trilhão de reais em 2017. Além disso, os negros são 51% dos empreendedores do Brasil, mas, por outro lado, são os que possuem negócios menos lucrativos. Segundo Nina Silva, esses números também são reflexo da falta de preparo e planejamento dessa população para tocar seus próprios negócios.
Partindo disso, o Movimento Black Money no Brasil reforça a importância de utilizar o poder de compra dos afrodescendentes e investir na própria comunidade de afroempreendedores, promovendo assim, a integração dessa população ao sistema financeiro. Fazendo uso da tecnologia e melhorias contínuas, o movimento utiliza-se de métodos para gerar sinergia para cada braço do hub de iniciativas Black Money. Busca-se fomentar o desenvolvimento do ecossistema do empreendedorismo negro de forma sustentável, incentivando não apenas o afroempreendedorismo, mas também o que pode ser chamado de afroconsumo. Tudo se baseia em 3 pilares sustentadores, que visam desenvolver um mindset inovador de empreendedores e jovens negros para a criação de diferenciais competitivos no mercado.
O primeiro pilar é a Comunicação, que pretende fomentar iniciativas que estimulem a criação e disseminação de conteúdos voltados para a capacitação e informação do público sobre inovação, tecnologia e empreendedorismo no ecossistema da comunidade negra. O Blog do Movimento Black Money é a principal iniciativa nesse sentido. Lá são publicados artigos, pesquisas e tendências sobre o mercado de afroempreendedorismo e negócios, além de fomentar a discussão e o crescimento do tema no Brasil.
O segundo pilar é a Educação, que busca fomentar a inclusão de pessoas negras nas áreas de educação, tecnologia, inovação, negócios e gestão financeira. A ideia é sanar o gargalo existente, para que os afroempreendedores consigam planejar melhor seus negócios e adentrem em outras áreas para além das que já ocupam hoje e são reconhecidas, como arte e cultura, por exemplo. Nesse contexto, nasce uma das principais iniciativas do movimento neste sentido que é a Afreektech. O projeto faz parte do braço de educação do movimento e propõe-se a oferecer cursos sobre Modelagem de Negócio, Marketing Digital e Programação Básica, com o objetivo de desmistificar a tecnologia e desenvolvimento de software e introduzir conceitos de SEO e ferramentas digitais, branding pessoal e profissional para alavancar os negócios e ideias.
Por fim, o terceiro pilar é o Empreendedorismo, que busca fomentar a criação e o fortalecimento de negócios liderados por pessoas negras. Nesse sentido, o Movimento Black Money desenvolveu várias iniciativas, como o Start Blackup, que é um espaço que possibilita networking em eventos corporativos, visando conectar as empresas aos profissionais e empreendedores negros. Outra iniciativa é a Black Money Week, que é uma semana de promoções em produtos e serviços de empresas lideradas por pessoas negras.
Em conclusão, o Movimento Black Money surge como uma iniciativa importante para fomentar a inclusão financeira e o empreendedorismo negro no Brasil. Por meio de suas iniciativas, busca-se estimular o consumo consciente e a circulação do dinheiro dentro da comunidade afrodescendente, gerando consciência social, econômica e financeira. É fundamental que a sociedade compreenda a importância do protagonismo negro e do incentivo ao empreendedorismo, como forma de combater o racismo estrutural que ainda persiste em nosso país.
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Humberto Schvabe
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